Era uma vez, Joãozim Midaz com Z, conhecido Governador que desejava ser rei.
Em sua província, cravada no coração do Mangue Seco, era venerado e aclamado pela multidão, resultado da política eleitoreira posta em prática há longa data.
Um dia o velho lobo, conhecido além de seus domínios por sua malícia e astúcia, frutos de anos de experiência na arte de dissimular, fez uso de seu dom natural e convenceu até mesmo o Deus Dionísio quanto sua eterna "bondade". Assim como havia feito quatro anos antes, prometeu trazer mais uma vez, água àquelas áridas terras.
Dias depois, o leito do antigo rio morto, que há muito tinha sido extinto, exibia enorme volume d'água a correr sob a imponente ponte ornamentada com três grandes arcos brancos, além do farto número de peixes.
Diante do estado de êxtase geral que o povo se encontrava, Joãozim Midaz com Z falou:
- Sou homem simples e só penso em meu povo, por isso, além do farto peixe, trarei a alegria através da voz de dois repentistas que cantarão e nos divertirão todas as noites até o raiar do dia.
- Não precisam trabalhar, nem estudar. Vou dar o pão, o leite, o gás, cesta básica que inclui o agrado da cachaça, além de um dinheirinho todo mês. Acho que vou batizar de programa NÃO ESQUEÇA DE MIM.
- Darei lote, para quem tem ou não tem onde morar. Se já tiver, vende! Não importa se é daqui ou de outras bandas. Não precisa comprovar tempo de residência, renda ou qualquer tipo de burocracia. O quê importa é ser meu amigo eleitor - TOMA UM SANTINHO, AÍ!
- Impacto ambiental? Isso não existe. É coisa de quem não quer ver o progresso.
- Vou chamar gente de fora pra morar aqui, só assim a cidade desenvolve, mas não se preocupem, pois eu garanto que isso NÃO vai acarretar o inchaço da cidade, nem a criação de invasões.
- Vou chamar gente de fora pra morar aqui, só assim a cidade desenvolve, mas não se preocupem, pois eu garanto que isso NÃO vai acarretar o inchaço da cidade, nem a criação de invasões.
- Inflação? Isso é coisa difícil de entender. Pra que esquentar e perder tempo pensando nisso?
- E mais...para resolver o problema do transporte, tá liberado o transporte alternativo em pau-de-arara. Especializar o motorista pra que? Isso só acarreta o encarecimento do processo.
- Se eu pudesse, traria também o vinho, mas aqui não tem esse luxo nem para comprar.
Povo sofrido e ingênuo, privado dos menores prazeres da vida, aclamaram como nunca o nome daquele governador.
O quê todos desconheciam era que anos antes, a água do importante rio havia sido desviada para enrigar as terras da Fazenda Luzia e Ana, de propriedade do Governador Joãozim Midaz com Z, situada no povoado vizinho de Duas Irmãs. Lá sim, havia muita fartura e riqueza, tudo custeado pelo sofrido povo de Mangue Seco.
Ao cair da noite, Dionísio apareceu diante do "bem feitor da cidade" e rendendo-se à grandiosidade do feito, concedeu-lhe um desejo.
- Por meu ato, tenho certeza que mereço a realização de ao menos três desejos - disse a velha raposa.
Mesmo surpreso com a inesperada petulância do homem, Dionísio resolveu ceder a vontade, mas recomendou-o ter sabedoria ao fazer os pedidos.
- Quero ser rei, pois o rei é divino.
- Rei não é questionado em seus atos.
- Sendo rei, não mais terei que concorre a desgastantes disputas eleitorais.
- Não mais terei que prestar contas ao povo.
- Serei o senhor supremo de tudo e todos.
- Quem estiver comigo, estará com Deus! - Assim foi concedido o primeiro pedido.
- Quero ser rico e poderoso. Quero ser mais rico que o mais rico dos homens. - Assim seja satisfeito o segundo pedido.
"Ohhhhh! Grande bem feitor. Vós que hoje é rei, poderoso, rico, o mais rico entre os ricos, ainda teis o último pedido. Porque não pedes algo para o seu povo?" - Indagou Dionísio.
- Desejo que a água do rio se transforme em vinho, mas não vinho comum. Aquele que ao ser bebido, traga a ignorância profunda ao homem.
Naquele momento, o Deus Dionísio enxergou a negra face de Joãozim, mas seduzido pelo doce gosto do vinho da ignorância, cedeu aos encantos do terceiro pedido.
"Como uma mão lava a outra, concedo a ti o seu pedido em troca do degustar de um cálice transbordo desse maravilhoso vinho" - barganhou Dionísio.
O tempo passou, mas no povoado nada melhorou, nada progrediu e tudo piorou.
O vinho que um dia foi água novamente secou e não mais voltou, mas a fome, a miséria, a violência, na cidadela que já era megalópole se instalou.
O crescimento do povoado a todos surpreendeu e não havendo mais aonde colocar tanta gente, sobre o antigo lixão, uma nova invasão se formou.
A criminalidade chegou a patamares inaceitáveis aos olhos da passiva população. Para explica-la, teorias diversas foram criadas por sociólogos, antropólogos, padeiros e confeiteiros - gente que de tudo entendia (futebol, política e religião), falavam, reclamavam, gritavam, rosnavam, mugiam, mas de prático para resolver o problema da violência, nada diziam. O povo, ainda entorpecidos pelo maldito vinho, não percebia que o câncer da cidade se chamava Midaz.
As drogas que alí não existiam, surgiram indistintamente nos diversos níveis sociais, agora já uma realidade presente e tolerada.
O poder político e econômico, assim como o controle do transporte e dos postos de combustíveis, estavam nas mãos de poucos, membros de uma tradicional oligarquia local.
Certo dia, o moribundo rei cavalgava pelas rústicas e estéreis terras, montado em seu jegue azul, quando avistou algo inimaginável - um solitário andarilho que puxava pelo cabresto um bezerro de ouro. Aquela visão causou-lhe um inesperado frissom, acompanhado de um incontrolável desejo pela posse do inestimável animal dourado.
O Rei Joãozim foi ao encontro do nômade e lhe indagou:
- Homem do mundo!! Quanto queres por esse belo desmamado?
"Desculpe Majestade, mas este animal é muito raro. Quem o tem, infinitamente mama leite d'ouro, por isso o seu valor é inestimável. Não está à venda!" - Respondeu o homem.
- Veja bem. Isso é bobagem meu caro. Todos têm um preço. Lealdade, pessoas, votos, vidas, tudo tem preço.
- Sou rico e poderoso. Diga-me o valor e será pago.
- Tudo que quiseres, tudo que desejares, eu posso lhe dar!!- Retruncou o Rei de forma a quase implorar.
Finalmente à frente, um negociador implacável à altura.
"O que teis a me oferecer, grande rei?"
A atitude firme e convicta do estranho homem, confundia e aguçava ainda mais seu desejo pelo ser movente cor d'ouro. Em pouco tempo, pressionado pelo perspicaz negociante, o dominador foi dominado e de forma impensada, fez a proposta irrecusável:
- Este animal custa seu peso em ouro, por volta de G$ 40.000,00 (quarenta mil garoupas), mas considerando as circunstâncias...estou disposto a permuta-lo frente ao meu mais apegado bem - minha Fazenda Luzia e Ana, avaliada em G$ 60.000,00 (sessenta mil garoupas).
O rústico andarilho gesticulou negativamente com a cabeça e logo emendou: "Não é o suficiente."
Dominado pela loucura, o Rei Joãozim Midaz com Z investiu:
- Acrescento a minha proposta, toda minha fortuna, riqueza e bens.
Mantendo o gelo em sua face e em seus gestos, o estranho manifestou novamente:
"Não é o suficiente. O preço desse rebanho de cabeça única é tudo já oferecido, somado ao seu nome, título, prestígio, respeito e até mesmo suas vestimentas. Deixo para você a escolha de outro jumento que não seja o amado azul, além do cultivo de sua insanidade."
- Aceito! Se este for o preço que tenho de pagar para mamar o néctar de ouro, até minha alma estaria disposto a pagar - Finalizou Midaz com Z.
"Ohhhh, homem podre e sem coração. A sua alma há muito, pelo irrisório poder de reinar ratos e porcos, já negociou comigo" - E aos risos o homem se foi, deixando no ar o odor de enxofre.
- Não importa o quanto tempo eu fique afastado do poder ou mesmo que nunca mais o tenha em minhas mãos, sempre existirão raposas, ratos, porcos e carrapatos.
"O valor de cada homem é atribuído por suas intenções, escolhas e atos".
QUALQUER SEMELHANÇA DESTA HISTÓRIA COM FATOS DA VIDA REAL, NÃO PASSA DE "MERA COINCIDÊNCIA", ATÉ MESMO PORQUE FORA DA FICÇÃO, "NÃO EXISTEM" HOMENS DE CONDUTA TÃO VIL.
Texto: OBSERVADOR